Diário da Peste 25/4/2020
Indignam-se as pessoas com a crueldade e a infâmia das grandes empresas que despedem pessoal e querem, apesar da sua imensa prosperidade, apoios estatais ou uma socialização dos seus prejuízos nestes tempos de peste. Mas isso é a estrutura base, dir-se-ia genética, do sistema capitalista. Os empregados representam, apenas, custos de produção. Se há uma contracção brutal do mercado então há que despedir para salvar a empresa. A razão até é simples: o valor social de uma empresa não é directo, não há relativamente aos seus trabalhadores um compromisso social e humanitário, há tão somente e em abstracto o valor indirecto de permitirem a empregabilidade da população em geral. Contribuem para a comunidade apenas nessa medida quer se considere que haverá, mais tarde, um trickle down dos seus proventos, quer se enverede por uma noção mais essencialista do valor da iniciativa privada, como o único princípio verdadeiro que trará prosperidade a todos. E, claro está, para manter um quase sacrossanto princípio de propriedade há que manter a estrita separação entre o capital pessoal dos accionistas e o capital, de risco, das empresas. Por isso não se indignem contra aqueles grandes empresários que solicitam ajudas públicas. Para eles, as suas empresas estão sempre primeiro. A questão, a verdadeira questão, é se queremos esse tipo de capitalismo puro, e toda a lógica dele que, sendo perversa, fica agora sob escrutínio.
Teme-se que, de algum modo, este capitalismo que se aproximou, novamente, deste modelo puro saia reforçado desta crise, e ainda mais cruel e desumano.
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