Desabafo
Escrever tem de ser a prioridade porque é o que mais m'apraz. Mesmo que seja escrita-errante, a esmo, perdida de si e das suas concretas aplicações, digamos, práticas, nunca é perder tempo. Resta a esp'rança de uma vindicação da vida, o solver de tantas antinomias, contradições vividas na carne. Talvez promessa de futuro. São muitos os projectos mas sempre vagos, perdidas oportunidades no rumor do mundo. Poucos me lêem. Esse grandioso sonho triunfal permanece miragem no que tem d'irrealizável e impossível. Na verdade, a escrita, no que tem de raciocínio-em-acto é uma necessidade. Poder exercer a minha ciência vaga, figurino exterior e oco de um sistema mas sem os constrangimentos provindos da sujeição e análise de um corpus, das exigências hermenêuticas de textos canónicos, atirando para trás das costas todas as bibliografias excepto as imaginadas. O doce torpor de um canto em palavras, erguidas em frágil arquitectura, já se sabe, de cousa nenhuma. Assim, enquanto escrevo, sonho-me feliz, conhecendo-me em vacuidade finjo a plenitude dessa catedral impossível por além das minhas forças, engenho que não tenho ou talvez não queira querer, rio incessante em direcção à foz de uma monótona tristeza.
Toda minha mas não incomum a todos que não sabem viver.
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