Amar a Máquina
Já são duas furgonetas
Urgem todas porta-abertas Passam ora, a rolar E o chassis é verde-mar Onde vão, no seu rufar O motor a trepidar? Se o destino é chegar Só se deve acelarar Levam pressa, é um ar Uma vertigem, sem parar Haja estradas, alcatroar É preciso continuar C'o andar ou bicicletas Só pra bestas ou poetas (vão sem ânsia, devagar Ou, talvez, a divagar) ![]() ![]()
(s/ título)
Vejam os Senhores
E ouçam os Doutores: A clepsydra da vontade Almeja com mil alores Mas o que o coração deseja É da mais bela os seus favores ![]() ![]()
Retalhos #1
... e só o tempo do meio não é. ![]() ![]()
Recapitulação
S'inda agora eu te vi
E olhando assi sorri Já é memória o nosso beijo. Mas a força de um beijo Perdura marmóreo na memória. E quando lembrar essa lembrança (mesmo perdida tod'esperança) Voltarei a ser o momento em que te vi e olhando assi sorri. ![]() ![]()
Projectar
Vejam: seja a força do destemido olhar.
![]() ![]()
Deix'arder
Que lindo, lindo lumaréu
No vasto & vago mundaréu Se arde o fogo em frenesim Já eu, por mim, Tiro o chapéu ![]() ![]()
(s/ título)
Há um luto, uma tristeza
Da mais peculiar natureza Um cansaço, um exaurir Uma pétala, sempr'a cair É ser, assim, nesta cadência É só una, desistência ![]() ![]()
Trint'amores
Trinta vagas que fez pim
Vit'amores desirmanados Um arco em rodelim E mais pasteis recém-assados ![]() ![]()
(s/ título)
Não fora o céu, o Sol, o linho e a fome.
Três vezes três, três, três vezes três. Dizia-se. ![]() ![]()
(s/ título)
A boa vida, Saturnino,
Dá-te uns olhos de menino Um sorriso assí ladino. Na santa paz, como Deus quer. Pois, nem o silvo de Satanás Nem os meneios de mulher Comovem a calma deste rapaz. Como Deus quer, na santa paz. ![]() ![]()
Umpeix'armado
![]() ![]()
Domiciliação
Qual a morada da exaurida metáfora:
o panteão d'esquecimento ou a vida de todos os dias? ![]() ![]()
(s/ título)
Será o infinito a vocação daqueles que não vêem?
![]() ![]() ![]() ![]() ![]()
(s/ título)
Nozolino busca pão Uma sopa de feijão Nozolino busca paz Alegria que lh'apraz Nozolino busc'amor Nos olhos daquela flor Nozolino está cansado Sem nada ter achado ![]() ![]()
Na Botica
O c'aqui o traz, Rapaz-Ananás?
É pedir o que seja. E diga à D. Cereja Qu'esta erva bem lhe faz. Nem outra cousa se deseja A quem vai tant'à igreja a rezar por quem lá esteja. ![]() ![]()
XXIII
#1 Nós: Não somos mais que uma casca de noz, quando não somos uma casca de nós. #2 Ouçam: Quando um sonido se torna em zoado e este ascende a ruído, ensurdecedor barulho que nos ofusca os sentidos até às entranhas. #3 Só o mais frágil perdura. Que o tempo (incessante como ele só) trabalha contra toda a dureza adamantina. #4 Eis a gotícula. Pinga que pinga até tocar no fundo das coisa. #5 Para quê viajar, se nunca saímos de nós? #6 Salta a pulga. Saltem pulgas, que vós nunca sereis humanos. #8 Olhem, mas não vejam. Que o horror nunca vos toque as pupilas. #9 O espaço é todo o espaço do Mundo. Mas o tempo é o fiel das almas. #10 Sem a desgraça como poderíamos aprender a ser felizes? #11 Gentil alma, não t'evoles, que ainda não chegou o teu tempo. #12 O Ser, sem saber, é ditoso? #13 A matéria toca-nos de muito perto. #14 Será a natureza do enigma o horror e o medo? #15 Embalamos a vida com todos os cuidados. E, no entanto, somos nós que por ela somos tidos. #16 Interrogação lapidar: Se eu não existisse, ainda haveria Mundo? #17 Mesmo qundo todas as palavras forem ditas, ainda poderemos escutar. #18 O Sol é uma alegria de luz ou o horror da claridade? #19 Vivam, mas não em contemplação. Para que o tempo vos não ultrapasse. #20 Se trabalhais de Sol a Sol, podeis viver durante a lua? #21 Jamais digas a Palavra Final. Pois, quem te garante que, uma vez proferida, não termina também o Mundo? #22 Uma criança brinca e um velho morre. Que tristeza quando os termos se invertem. #23 Nunca prometas, para que o Destino não contrarie as tuas honestas intenções. ![]() ![]()
Soneto
Chora lenta e dolorosa Até à alba, seus alvores Sofre a bela desditosa Ai, d'amores e desamores Teceu a trama da vontade Com cuidado e um desvelo Quedou a Alta Potestade Mais que presa em tal novelo Sorri a dama do enlace Tod'alegria na doce face Dissolvido já o duro susto Feliz a triste vai um passo Queira a força de um abraço Apartar os prigos da maldade ![]() ![]()
Em Jubilosa Bajulação
Vossa Magestência permitirá que me prostre a Vossos pés em ósculos de louvor a Vossa bonançosa bondade? De mil sóis alumiando mes olhos. De fulgores inumeráveis que cegam d'esperança esta minha humílima existência. Nem há encómios que Vos façam jus, muito menos seria esta escória da terra que s'alcandoraria a lográ-lo, por muito fervor que m'isufle a certeza de Vossa magnificência. O servir-Lo, já é alegria d'insandecer, mas adorá-Lo em presença de Vossa Pessoa é anelo que jamais acalentei por nunca ter ousado imaginar que se pudesse cumprir. ![]() ![]()
Desdobramento: o tempo antes do tempo
(...) Nem se havia [ainda] inventado a doença, nem legiferado a fome, nem instituído a guerra, nem, sequer, adulado a morte. (...) ![]() ![]()
Das mesas ou mesinhas
Senhor, qu'é de tant'abastança?
Era vossa a vocação, sendo de tão alta progenitura. E bem sabeis, que o parente pobre De família tão nobre, Tem ainda a mercê Das migalhas do banquete Assim haja lugar N'assembleia do jantar. ![]() ![]()
O Artista Instantâneo
Tudo é recomposição Na cozinha da criação. Pegue na massa da Visão, Da audição, Enfim, de toda a Sensação. Faça uma pasta, Junte-lhe sal, fermento E mais outro condimento. Pra cozer no forno (quente d'antemão) Da delirante imaginação. Sirva, à balda Ou com intenção Essa obra (qu'é um mundo) Em construção. ![]() ![]()
Fala O Antigo
E os cometas e os anjos traziam a bem-aventurança. Os pomos verdejavam nos pomares, prontos as serem colhidos, ou, nem isso, pois caiam prestes nas mãos de quem fome tinha. Antes da férrea máquina, que subjuga quando diz que liberta, antes ainda do elmo e da couraça, a carne tocava-se livre e mais livres os espíritos, que livres assim, docemente conversavam. Mesmo as feras não eram feras, eram dóceis entre as gentes, as fauces belos adornos, ensinando a amar o próprio de cada um. A vasta noite prescindia da escuridão, não havia medo e a lua alumiava o caminho com fulgores de prata, em oaristo com o viajante. (...) Tudo isto eu vi, antes da fúria dos homens me ter ceifado a visão. ![]() ![]()
Exercício d’Inevitabilidade
O Senhor da Bela Vista Veio à cidade A ver a Revista E com'era d'esperar Apaixonou-se Pl'uma corista. ![]() ![]()
In Memoriam
Ao desmesurado Mário.
![]() ![]()
Comentário Rodoviário
Viva Maphómet
Senhor das sete corcundas Que neste nosso Portugal S'acoita nas rotundas. ![]() ![]() |