Um problema nuclear
Sendo eu, do todo uma parte, convivo inconformado com meu destino. Eis que o tormento começou quando me autonomizei o suficiente, o exacto, o rigoroso suficiente, para me ver, a mim, como parte deste todo. Como a parte de um todo no espelho da minha consciência. Não adiantou o argumento, falaz, de que, se a mim me vejo, cônscio de mim próprio, já constituo um todo, porque detentor dessa parcela de autonomia que, precisamente, se revela em tal consciência. E que, ademais, não serei, como não sou, substância unitária pelo que, eu mesmo, contenho partes, partes de um todo que sou eu, mesmo sendo eu parte de um todo, maior que as partes que me formam, e como todo, afinal, mais íntegro do que seria se apenas fosse mera parte de um todo. Assim, embora seja parte de um todo, poderei ainda ser, como já se viu, numa determinada perspectiva, todo em relação às partes que me dão corpo e que, por serem partes de uma parte seriam sempre partes de um todo, quer esse todo seja eu, quer o todo seja o todo de que eu, como parte, participo. Parece complicado, mas tudo não passaria de uma questão de escala... Nem garantido está que as partes que me dão substância não sejam, elas próprias, capazes de lograr consciência de si, o que lhes daria, por sua vez, um carácter totalitário. Nem sequer, pensando um pouco melhor, que essas putativas partes de partes, envidassem pelo meu caminho problematizante e angustiado, prosseguindo assim até ao infinito, ou quanto muito, até à última subdivisão da matéria, átomo próprio e original que, enfim, se pudesse arrogar do estatuto de parte originária, o que seria outra forma de dizer, de um todo, pois que só então, seria, sem rebuço, uma unidade em si, indivisível e completa. E digo mais: ninguém me conseguiu asseverar de que o todo de que me sei parte não seja, ele também, parte de um todo maior e que eu, parte de um todo então intermédio, não conseguiria vislumbrar. Por essa razão, também neste caso, quem sabe qual todo poderia descansar na certeza de ser o maior todo de todos os todos, o corpo final e pan-englobante pois que nele estariam todos os todos e todas as respectivas partes. Assim, perdido nesta vertigem me sinto, não sabendo se sendo parte sou igualmente um todo, se as partes que me compõem se sentem partes de um todo que sou eu e que, por sua vez, são compostas de partes conscientes de si e, por conseguinte, também um todo e, finalmente, se o todo de que me sei parte é parte de um todo ainda maior, sentindo-nos todos infelizes e confusos, excepto a mais pequena parte das partes e o maior todo de todos os todos. ![]() ![]() |
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