28 julho 2013
Escrevinhices: 8 anos
1. Hoje um blog que agoniza. Agoniza, talvez, por falta de leitores mas, de modo seguro, por falta de alento do seu autor. Outros projectos luzem com outro brilho; também, o sufocante peso da obscuridade autoral que é o sofrimento próprio de uma voz que se não sente ouvida.

2. Assim, reflectir sobre o que é, hoje, a lógica de difusão e impacto de uma escrita que se quis (e quer) inactual.
Há, entre muitas, duas formas de inactualidade sobre as quais nos queremos debruçar: uma sobre as fontes e os modelos da escrita; outra, embora conexa com a primeira, sobre o alcance teleológico da escrita.

3. Porém, antes, desenhemos a traço largo o panorama actual da literatura em Portugal (mas não são só em Portugal que estes fenómenos se passam), afinal, o contexto onde a escrita se tenta inscrever.

4. Parece-me que a escrita actual (aquela que aparece na ribalta, aquela dos autores da minha geração) se baseia no olvido do todo da tradição literária. É uma escrita baseada em fórmulas de eficiência (por exemplo: o ênfase em catalogar a escrita por géneros, do policial ao romance histórico).
O alcance teleológico dessa escrita será o puro entretenimento acrítico, ou seja, é construída unicamente em função de um paradigma de legibilidade, num ir-ao-encontro das expectativas do leitor.

5. Coisa diversa é quando se fixa um objectivo filosófico, narratológico, estético ou de fixação de um Zeitgeist. Tais objectivos têm de ser prévios e só então se pede ao leitor que se esforce na leitura e que afira o grau de conseguimento deles.
Porém, constata-se que a esses processos se sobrepõe apenas uma sociologia da escrita, cuja única função é o de obter a sua máxima mercantilização o que, por sua vez, impõe regras (determinadas pela exigência da legibilidade de um texto, repita-se) ao próprio processo criativo.
Pressupõe, ainda, uma axiologia política diferente das épocas anteriores: a escrita é, doravante, destinada ao público em geral e não às elites culturais. O leitor é visto como um consumidor.

6. Daqui decorre que não se entende o leitor como alguém apto a deter uma instanciação crítica sobre a obra mas ele é visto, tão-só, como o detentor da opção de compra.

7. Como autor sempre me quis demarcar desse estado de coisas. Deter uma voz que se afirme pela diferença. Própria. Distinta da coeva literatura, escorada na tradição universal mas em transcendência e fluxo da angústia da influência.
Acresce que tal projecto estético tem sido visto como hermético para os não-iniciados ou, pelo menos, difícil para um leitor desatento ou apressado.
Tal desiderato encontrou no Escrevinhices um tubo-de-ensaio para o encetar de caminhos diversos que muitas vezes se quedaram no estado larvar dessa busca, como repositório de uma faceta confessional, ou do que ainda não foi propriamente, vertido em livro.

8. Contudo, ser inactual é ser hiper-moderno. É apontar para a transcendência do presente, sublimando-o.

9. Vejo a inactualidade da escrita sob dois pontos de vista: em primeiro lugar, considero importante basear o processo criativo no todo da tradição literária. É claro que essa tradição é vastíssima e que há outras matérias que importa carrear para a escrita. Porém, a tradição fornece uma base culturalista e, por outro lado, permite tentar transcender aquilo que já foi feito e que, por isso, não interessa repetir.

10. Tendo a inscrição da tradição na obra como ponto de partida, a inactualidade também se projecta e declina nos fins que se procuram alcançar. Quer-se uma escrita que valha por si e não pelo seu volume de vendas, do dinheiro que gera.
Quer-se, justamente, dilatar o conjunto da tradição (conforma-se à ideia borgiana de que a literatura é produto de um único escritor universal e o autor é, assim, um aumentador dela), ser fresco jogo de variações estéticas, conquanto se queira também ensinar e reflectir sobre os temas que, perenemente, angustiam os homens sem esquecer o que de específico cada biografia contém.

11. Ora, um blog baseado numa escrita inactual vai, naturalmente, sucumbindo ao peso do desinteresse do público; flutua o próprio interesse do seu fautor em alimentar esse saco vazio - repositório empoeirado de uma escrita errante que parece condenada ao olvido.

12. Há, porém, que persistir. Chegar à década. Idade mais do que vetusta para um blog. Pois, afinal, é o tempo que cumpre os objectivos que desde a primeira hora se traçou: ter um registo do progresso, (se é que, em qualquer caso, há progresso) na técnica da escrita. Como na escrita automática deseja-se que desponte a espontaneidade, coisa dificílima senão impossível quando se compõe um livro. É certo que isso corresponde a uma não ordenação de matérias, de se obter aqui uma colecção de textos um tanto em bruto. Mas, ter um tubo-de-ensaio é fundamental para o precipitado de arte laboratória que, essa sim, na sua forma final, poderá ser vertida em livro.
Tive a fortuna de contar com uma editora que acedeu na publicação dos meus íntimos ou poéticos devaneios que, em minha modesta opinião, qualquer obra honesta deve conter. Ao mesmo tempo logrei ser aceite para colaborar com diversas publicações que ajudam a espalhar os meus escritos.
A realidade virtualizada necessita, ainda, de materialidade do papel e há certamente uma relação de complementaridade entre as duas.

13. Uma nota, ainda. Tenho o privilégio e a desdita de possuir o amor aos livros e à literatura. Seria ocioso enumerar esses infernos e paraísos, monstros e almas puras que o sortilégio da leitura me revelou. É muito natural que um leitor se transforme em escritor e que os ecos do passado ressoem na sua escrita mesmo quando se tenta ser um aumentador da tradição e se sonha, um dia, pertencer ao cânone.
Oxalá sempre o ensaie com humildade e rigor.
12:00 | 1 Comentários

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